La vie d'Adèle (France, Belgium, Spain, 2013)

São tantos os temas e discussões que um filme como Azul é a Cor Mais Quente incita, que fica difícil abordar todos em uma simples crítica. 


Laureado com o prêmio mais importante do festival de Cannes deste ano, o filme só cresceu em termos de polêmica e buzz. Num mundo onde tudo pode virar uma marca, uma forma de ganhar dinheiro, ter um filme ganhador da Palma de Ouro com cenas de sexo explícito é dinheiro na certa.

Infelizmente, assistir a um filme como este numa sala cheia de pessoas (algo aparentemente positivo) só serve para revelar uma faceta não muito agradável delas, no geral, e do público supostamente open-minded dos dias de hoje, em particular: a falta de respeito – com os outros espectadores e com o trabalho de todo um grupo de pessoas que se esforçaram para criar algo único.

Ao retratar a vida de Adèle (um dos títulos do filme é La vie d'Adèle) num período de aproximadamente 5 anos, o diretor Abdellatif Kechiche nos conduz através de suas descobertas sexuais, suas relações com a família e amigos e seus planos para o futuro, para só depois apresentar-nos à força da natureza que é Emma, com seus cabelos azuis e método James Dean de sedução. O desenvolvimento da relação entre as duas é de uma simplicidade e honestidade irresistíveis, sem nunca parecer apressado ou forçado. Valorizando o close-up de rostos e expressões (a boca da protagonista é quase um personagem), Kechiche e sua equipe criam algumas da cenas de sexo mais bonitas e naturais que já vi no cinema. Quando digo bonita não quero dizer "fofa", mas sim real, apaixonante e livre de amarras. São estas cenas de sexo que transformam a experiência coletiva de ir ao cinema numa espécie de elevador que sobe durante 179 minutos. Não serei hipócrita ao ponto de dizer que não fiquei intimidado/corado, afinal de contas não se trata do básico “beijos, close da bunda, close do peito, gemidos e cigarrinho pós-coito”. As cenas de sexo são apresentadas quase sem cortes e duram muito mais do que estamos acostumados (até mesmo para os padrões europeus). É o suficiente para que o casal do seu lado comece com risadinhas, para que o grupo de amigos atrás de você inicie uma conversa e para que pelo menos umas 10 pessoas comecem a buscar qualquer coisa nos seus celulares que não sejam duas atrizes representando algo que supostamente (sou otimista) todos nós fazemos. É constrangedor assistir cenas de sexo explícito com quem você não conhece? Sim! Mas não justifica atrapalhar a experiência dos outros. Sou da opinião de que se você não gosta/sente-se ofendido/quer usar o celular, você deveria deixar a sala de cinema (e tentar passar despercebido, porque o sair da sala também gera distração).


Passado o "choque", entramos de cabeça na vida que Adèle (estudante de literatura e futura professora) e Emma (estudante de Belas Artes) começam a compartilhar. O foco muda da paixão para a convivência e o futuro entra em pauta, tanto para elas como para nós. Escapando exemplarmente de criar um personagem pedante, como muitas vezes artistas são retratados no cinema, o diretor constrói Emma como alguém apaixonado pela arte, que quer viver dela a qualquer custo, enquanto que Adèle precisa de segurança, atendo-se a um emprego banal aos olhos de sua companheira. É este conflito que serve de fio condutor para a relação entre essas duas pessoas, que almejam coisas tão distintas, mas ainda assim decidem tentar uma vida juntas. 

Tanto Léa Seydoux quanto Adèle Exarchopoulos são a alma do filme. Elas entregam-se completamente a personagens difíceis e o fazem parecer fácil, quase sem esforço. Criticado por muitos como sendo uma visão fetichista/masculina do corpo feminino, o filme vai continuar gerando discussões e ganhando fãs e detratores. Quando o buzz acabar e todos puderem assisti-lo no conforto de suas casas, talvez percebam que, como disse o jornalista Andrew O'Hehir, "o filme é talvez a primeira grande história de amor do século 21 que parece completamente atual". Por este e por outros motivos, caso você decida vê-lo no cinema, desligue seu celular, deixe a vergonha em casa e experimente um dos melhores filmes do ano.


Não existe vergonha alguma em amar. 

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