Sátántangó (Hungary, Germany, Switzerland, 1994)



É completamente impossível falar de Sátántangó, a complexa obra-prima de cerca de 7 horas do húngaro Béla Tarr, sem utilizar a palavra 'grandiloquente'. Mais ainda, é impossível falar da obra sem soar pretensioso e grandiloquente. Isto porque Sátántangó é pretencioso. É grandiloquente. É imenso. É talvez o maior filme já feito, e não em termos de duração, mas no que se refere à sua grandiosidade temática e estrutural.

Retratando com profundo realismo uma comunidade pobre em recursos e miserável em essência, a película, do ponto de vista estético e temático, poderia ter sido realizada tanto na década de 30 quanto no ano passado. Oficialmente, o filme teve sua primeira exibição no Hungarian Film Festival em 8 de fevereiro de 1994, tendo recém completado 20 anos. Todavia, mais certo do que sua data real, seria dizer que Sátántangó é atemporal, e o período retratado tanto pode ser a idade média, o passado agrícola de uma grande nação, o período presente de regiões inóspitas ou a realidade distópica de um sombrio futuro apresentado de forma ultra-realista.  

Ao longo de suas 7 horas, mais do que construir, o filme se autodestrói e leva consigo um pedeço de quem a ele se dedica. Logo no início do filme, já somos alertados por um dos personagens: " Isto não é o Gênesis. É o Apocalipse". Alerta que faz cada vez mais sentido ao longo do filme e que, ao chegarmos ao final, certamente nos faz pensar que não saímos ilesos dessa experiência.



O roteirista, filósofo de formação e, na modesta opinião deste que vos escreve, um dos melhores diretores de todos os tempos, apresenta uma visão niilista e existencialista do mundo.

Ninguém escapa de sua visão pessimista, tudo perde o sentido e as personagens estão a vaga pela terra, metaforizadas pelo primeiro e belíssimo plano sequência que mostra o gado sapateando, em meio ao lodo, aparentemente sem rumo e destino traçados. Até mesmo o personagem de mais tenra idade, inicialmente retratado em toda sua inocência e simplicidade, revela-se, em seguida, como o indivíduo mais cruel de toda a narrativa, para, na sequência, novamente ser exposto como vítima de uma sociedade desprovida de sentido. Desse modo, a pequena comunidade agrícola do interior da Hungria, apresenta por Béla Tarr, é uma direta alegoria da sociedade contemporânea, em que agentes e vítimas de injustiças se confundem, infligindo violência, ou vitimados por ela, dependendo da ótica e do momento.

Tarr não tem pressa e apresenta, dessa forma, uma antítese ao atual viés hollywoodiano imediatista. Certa vez, ao ser questionado sobre o porquê de filmar por 5 minutos uma "simples" cena em que uma multidão caminha em direção a um hospital, Tarr simplesmente respondeu: "porque o caminho era longo". Tal forma de pensar o cinema suscita um novo vocabulário, o qual significa um desvio bem sucedido e autêntico para o limitado vocabulário padronizado no ocidente e propagado por Hollywood. São nestes termos que Gus Van Sant explicita sua admiração pelo que ele chama de um dos únicos cineastas genuinamente visionários.



Visionário. Genial. Grande. Imenso em significado e grandiloquente em toda sua essência. Mais do que um filme (talvez o melhor filme já realizado), Sátántangó é um lugar para onde o expectador se transporta e vive por 7 horas de sua vida.

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Eder Costa

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