Top 10 2014


Mesmo relativante ausentes do ato de escrever, nós ainda conseguimos assistir um bom número de filmes em 2014. Entre obras lançadas comercialmente nas salas de cinema e nossa querida e generosa internet, seguem abaixo nossas escolhas para melhores do ano passado.

1. Boyhood - Richard Linklater (USA, 2014)


O filme "12 anos de escravidão" é um registro da vida de Solomon Northup durante o período no qual ele permaneceu como escravo na Louisiana do século XIX. Ao meu ver, uma das falhas do filme é não registrar com clareza a passagem deste tempo. E se "12 anos" tivesse sido filmado realmente durante 12 anos? Que peso teria na verossimilhança cronológica? Boyhood responde esta questão de maneira primorosa. Durante 12 anos, Richard Linklater filmou com o mesmo elenco uma história de ficção simples e eficaz e o resultado obtido é de um realismo magnífico, que nos traz a nítida impressão de que conhecemos os personagens há mais tempo do que as 3 horas de duração do filme. Ao observarmos o crescimento do garoto Mason, suas experiências e relações com família e amigos, é impossível não voltarmos os olhos para nós mesmos, nossa infância e amadurecimento, espelhando-nos ora em Mason,  - ora em seus pais – seja sorrindo com as divagações do menino sobre o uso de mídias sociais ou com nó na garganta quando a mãe se despede de seu filho crescido. Nesta obra-prima, que rendeu o primeiríssimo lugar em nossa lista, Linklater filma a passagem do tempo nos fazendo sentir que 12 anos, afinal, pode parecer bastante tempo enquanto estamos vivendo, mas muito pouco quando olhamos em retrospecto. E.C.

2 - Winter Sleep - Nuri Bilge Ceylan (Turkey, France, Germany, 2014)


Com suas mais de 3 horas de duração, Winter Sleep parece transcorrer em algum universo paralelo, dentro de um sonho levemente distorcido do qual não se quer sair. O diretor Nuri Bilge Ceylan parece menos deslumbrado com paisagens e mais interessado no fascinante duelo de forças entre seus personagens. Aydin, dono de um hotel (onde vive com a mulher e a irmã) e de diversas propriedades em Anatólia, subjuga todos ao seu redor através do poder do dinheiro ou da inteligência. Assim como Kane, em Cidadão Kane, Aydin parece o tempo todo interessado em si mesmo e talvez acabe seus dias sozinho, sentando em cima do seu dinheiro e  de incontáveis livros, hibernando. Filmado de maneira soberba, Winter Sleep também possui uma certa ironia e até mesmo leveza cômica, características não muito presentes na filmografia do diretor e que ajudam a fazer deste seu melhor filme até agora. A.G.

3 - Relatos Salvajes - Damián Szifrón (Argentina, Spain, 2014)


Em nosso mundo pós-moderno, cheio de normas e regras, são recorrentes os pensamentos e a vontade de jogar tudo para o alto e agir de maneira impulsiva/agressiva. Estamos o tempo todo enfrentando situações que nos colocam no limite, cuja linha final separa um estado civilizado daquele um tanto quanto bárbaro. Acontece que, muitas vezes, esse estado de barbárie é muito mais condizente com o que é justo do que a maneira polida e civilizada com a qual espera-se que nos comportemos em situações-problema de nosso cotidiano. Talvez seja este o ponto central de Relatos Selvagens e o que faz com que, apesar de todo o absurdo de algumas situações, o telespectador se identifique com o que está sendo apresentado. Com um humor negro primoroso, o filme reúne 6 diferentes histórias catárticas que, ao menos em algum aspecto, revelam com cinismo a dissimulação presente nas relações humanas contemporâneas. C.B.


4 - Mommy - Xavier Dolan (Canada, 2014)



Embora adulado desde o começo de sua carreira, Xavier Dolan sempre me pareceu mais preocupado em criar filmes cool demais, com todas as músicas no lugar certo, enquadramentos estilosos e câmera lenta, MUITA câmera lenta. Bem, ele realmente cresceu como diretor e Mommy é a prova inegável dessa evolução. Filmado em aspecto 1:1, gerando um tom de claustrofobia e peso insuportáveis, o filme é repleto de momentos geniais e atuações inspiradas (Anne Dorval em especial) e parece beber de diversas fontes, entre elas uma infinidade de obras que retratam a relação entre mães e filhos (O Sopro no Coração, de Louis Malle, me veio muito à cabeça). Sem nunca abrir mão das características citadas no começo do texto, Dolan consegue criar com o espectador um tipo de cumplicidade somente vislumbrado em Laurence Anyways (que se afogava em sua própria pretensão), expondo uma relação de dor e amor difícil de acompanhar. A.G.

5 - Short Term 12 - Destin Daniel Cretton (USA, 2013)


Existem filmes que você começa a ver sem nenhum grau de expectativa, talvez por indicação de algum amigo, e que acabam surpreendendo pela simplicidade e honestidade com que são construídos. Esperamos com essa lista que você, curioso que só, baixe o filme assim que terminar de ler esta resenha e se surpreenda, assim como nós, com a quantidade de humanidade e esperança que transborda de Short Term 12, assim como a química surpreendente entre seus dois protagonistas (Brie Larson e John Gallagher Jr.).

6 - Her - Spike Jonze (USA, 2013)


É sempre difícil lançar um olhar crítico e construtivo àquilo que está logo ali. Perceber o que há na opacidade das relações humanas, naquilo que não está aparente e tampouco está dado é o que nos torna contemporâneos de nosso próprio tempo, permitindo-nos dar um passo além do esperado. Em Her, Spike Jonze, ao construir seu futuro imaginado justamente na opacidade do presente, não nos coloca diante do clássico embate entre a tecnologia e a humanidade, mas de uma fusão entre o artificial e o natural, realocando e reconfigurando suas funções e características. A tênue linha que separa ficção e realidade aparece no filme com uma diferente roupagem, explicitando que o que torna a ficção (Samantha) tão próxima do real (Theodore) são os sentimentos e emoções que é capaz de suscitar. Mais do que um filme sobre o amor, é um filme sobre a capacidade de amar. C.B.

7 - Mandariinid - Zaza Urushadze (Estonia, Georgia, 2013)


Ahmed, um mercenário checheno, e Niko, um soldado georgiano, inimigos no campo de batalha, veem-se, de repente, sob o mesmo teto, sendo cuidados por Ivo, um senhor que já não vê mais sentido em brigas sustentadas por ideais cegos. Um filme que é extremamente atual e que, ao mesmo tempo, encena uma batalha – humana – tão antiga que nos faz questionar sobre a validade de posições fixadas em nome de religião, política e cultura. Mais do que uma discussão pontual entre duas nacionalidades inimigas, Tangerines (Mandariniid), de maneira simples e conquistadora, escancara como somos todos humanos e iguais antes de possuirmos qualquer identidade das muitas que podemos possuir ao longo de nossas vidas e como as posições e identidades são cambiáveis na medida em que ocupamos ou nos colocamos no lugar do outro. C.B.

8 - Pais e Filhos - Hirokazu Koreeda (Japan, 2013)


No cinema de Hirokazu Koreeda, as crianças são pessoas mais equilibradas e saudáveis mentalmente em comparação com os desajustados adultos. É como se os pais estivessem sendo educados pelos filhos, e não o contrário. Uma visão redentora e cheia de esperança que transcende a tela e transmite otimismo para o espectador. Em "Pais e filhos" não é muito diferente. Partindo de um tema simples, quase novelesco – a troca de filhos na maternidade e o aprendizado do pai workaholic na tentativa de conquistar o filho biológico –, Koreeda impressiona ao aprofundar a discussão sobre a paternidade biológica e aquela que de fato é concretizada. A cena em que o pai mais ausente assiste às filmagens realizadas pelo filho não-biológico comove ao revelar a admiração que este sentia pelo seu pai de criação, mesmo não conseguindo responder aos seus altos padrões de exigência. Ao invés de se render ao jargão "pai é quem cria", Koreeda propõe que a escolha sobre a paternidade, muitas vezes, parte dos filhos. E.C.

9 - Deux Jours, Une Nuit - Dardenne brothers (Belgium, France, Italy, 2014)


Existe um quê de singular no cinema dos irmãos Dardenne. Ele é único pois sempre retrata conflitos muito básicos de pessoas comuns, utilizando muito pouco dos artifícios comumente usados para comover ou chocar. O importante em seus filmes é o contraste, o diálogo, a manifestação de que o ser humano é um amontoado de falhas que mesmo assim, ou até por conta disso, merece algum tipo de redenção e felicidade, uma chance. Neste seu último filme, Marion Cotillard interpreta soberbamente uma mulher que se vê forçada a lutar por seu emprego e por sua estabilidade emocional, amparada de maneira impressionante pelo marido zeloso e um par de amigos. A sensação de que a personagem interpretada por Cotillard está todo tempo prestes a sucumbir dá ao filme um tom de urgência constante e prova aos céticos (eu incluído) que a atriz está entre as melhores de sua geração. A.G.

10 - The Grand Budapeste Hotel - Wes Anderson (USA, Germany, UK)



Nunca pensei que fosse dizer isso, mas Wes Anderson agora também é sinônimo de sucesso de bilheteria. Por anos sendo somente um queridinho dos críticos e de seu fiel grupo de fãs, ele agora parecer ter caído nas graças de um público um pouco maior. O Grande Hotel Budapeste acerta praticamente todas as notas certas, desde o elenco e direção de arte primorosos (algo já óbvio em se tratando de seus filmes) até o roteiro frenético, que mistura aquela espécie de paspalhice com melancolia só comparável ao seu já clássico Os Excêntricos Tenembaums. É de sair do cinema mais leve e com vontade de comer um Mendl´s courtesan au chocolat. A.G.

Menções Honrosas (ou os próximos filmes da lista caso este fosse um top 15)

Still the Water - Naomi Kawase 


O Lobo Atrás da Porta - Fernando Coimbra


Nightcrawler - Dan Gilroy


Gone Girl - David Fincher 


A Touch of Sin - Zhangke Jia


Under the Skin - Jonathan Glazer




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